segunda-feira, 17 de agosto de 2009

UMA CARTA LINDA...

Gabriel Buchmann não existiu. Se tivesse existido ninguém acreditaria. Um garoto genial, inteligência bem acima da média, filho de classe média carioca, interessado pelo próximo? Por um próximo pobre, miserável? Alguém que conversa com qualquer pessoa de igual para igual?

Conheci um Gabriel assim na PUC-Rio quando vim fazer mestrado em Economia. Quando o vi me assustei: será que o cara fala sério? Mudar o mundo? Lutar contra a pobreza? Entender a miséria? Essas coisas uma pessoa sensata não sai falando por aí, pode até pensar, mas não fala pra ninguém que acaba de conhecer. Uma vez ele voltou desolado para a sala de estudos do mestrado. Tinha acabado de falar com seu orientador que não tinha entendido o quão a viagem dele para o sertão nordestino seria fundamental para a dissertação de mestrado em andamento. Ele planejou e executou uma viagem surpreendente para o interior do nordeste brasileiro. Fez amizades, ficou na casa de gente da região, conheceu pessoas, desbravou lugares... Esse é o Gabriel!

E não foi apenas essa jornada. Ele contava que já havia perambulado pela Amazônia e vários países da América Sul, sem contar o intercâmbio de estudos pela Europa. No caminho, uma mania: colecionar amigos. Amizades sólidas, firmes. Coisa de alma boa, de coração puro. Era destemido e, para algum desavisado, meio ingênuo. Incrivelmente, as coisas davam certo pra ele. Incrivelmente? Que nada! O cara trabalhava como ninguém. Tinha uma determinação espetacular. Quando precisava se concentrar, focava de maneira impressionante. Falava meio devagar, escondendo a agilidade do raciocínio. Gabriel não era de primeira impressão. Tinha que parar, olhar nos olhos dele e ouvir bem o que ele falava para gostar dele.

Alguém que se amarra em matemática e é apaixonado por poesia? Um cdf que não dispensa adrenalina? Meio paradoxal, né? O meu amigo passou um ano tentando resolver analiticamente a relação entre educação, planejamento familiar e escolha de representação política. Acabou resolvendo a equação utilizando métodos numéricos. Por outro lado, ficou surpreso quando soube que eu gostava de poesia. Ele era apaixonado por Fernando Pessoa. Não conseguia entender a vida sem poesia.

Era daqueles caras sem noção que se apaixonava. Quando completamente enamorado, contava as proezas da beleza do sentimento despertado. Os olhos brilhavam e tinha um sorriso indescritível. Só mesmo o Gabriel!

Estudei, saltei de pára-quedas e escalei com o Gabriel. Dividimos poesias e ideais de mudar o mundo. Conheci com ele o Vale do Matutu em Minas Gerais. Fizemos uma memorável viagem a costa litorânea de Pernambuco e Alagoas.

O sonho da vida dele era dar a volta ao mundo por um caminho nada tradicional. Queria porque queria fazer a viagem conhecendo os lugares mais pobres, mais fora de rota. Uma vez o encontrei desamparado porque não sabia se conseguiria realizar esse sonho. Falava como alguém perdido, desolado. Mas ele era o Gabriel, forte, determinado! Como é que não conseguiria alcançar o objetivo?

No final tudo deu certo. Trabalhou, juntou dinheiro, planejou a viagem para gastar o mínimo possível. Traçou um risco no mapa-múndi para explicar o roteiro da viagem. Iria atravessar Europa, Rússia, descer pela China, Vietnã, Tailândia, Índia, Oriente Médio e África. Tinha já tomado todas as vacinas necessárias. Conseguiu os vistos de entrada dos mais diversos países e pra lá se mandou. Uma loucura total para qualquer ser humano, mas não para o Gabriel.

Na última quarta-feira, 5 de agosto, recebemos a triste notícia de que seu corpo foi encontrado sem vida nos arredores da Montanha Mulanje, Maláui, continente africano. Quem o conhecia de perto não achava que isso fosse possível. O Gabriel daria um jeito, sairia dessa. Ele escolheu, no entanto, o caminho menos óbvio. Uniu as pessoas em seu nome e deixou sua mensagem. Vale a pena acreditar nos sonhos! Vale a pena acreditar nas pessoas!

Sérgio Leão

2 comentários:

  1. CARTA LINDA, que me fez ir das lágrimas ao riso como tem sido frequentemente ao lembrar do Gabriel. Lágrimas por saudade e pela vontade de abraço, que deixa meu coração repleto de ausência. E riso pela vida desse homem, q eu costumava chamar de pirilampo, pela chama acesa em sua alma. Entre a lágrima e o riso, a saudade e o contentamento, eu guardo a minha fé de que ele está voando alto, movimentando outros espaços, evoluindo para nos mostrar os caminhos quando chegarmos lá. As palavras nunca cabem...

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  2. Carta belíssima e que faz jus ao que foi e continua sendo para nós, o Gabriel.

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